30/11/2016 - 10:49 | última atualização em 30/11/2016 - 10:48

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Caso Eduardo: Justiça arquiva ação contra PM

jornal O Globo

Causou revolta de parentes e reação de entidades de direitos humanos a decisão dos desembargadores da 23 Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de pedir o arquivamento da ação penal contra o policial militar Rafael de Freitas Monteiro. Ele é acusado de ter disparado o tiro que matou o menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, no dia 2 de abril de 2015. Estudante do Ciep Maestro Francisco Mignone, em Olaria, a criança foi atingida na cabeça ao brincar com um celular na porta de casa, no Complexo do Alemão. Na tarde de ontem, os desembargadores tomaram a decisão por dois votos a um.
 
O desfecho do caso chocou parentes do menino. "Isso é um grande absurdo. Todos nós ficamos desolados. Meu filho estava brincando na porta de casa, e uma bala atingiu a sua cabeça. Um tiro dado pelos policiais. Então não posso entender como a Justiça agora quer cancelar tudo. Estou muito triste, mas enquanto tiver vida, vou lutar por justiça. Para que os responsáveis paguem", afirmou Terezinha de Jesus, de 40 anos, mãe de Eduardo, que após o crime decidiu se mudar do Alemão, temendo retaliações da PM.
 
Diarista, Terezinha diz que vive com medo desde a morte do filho: "Já são quase dois anos de luta. Tenho muitos pesadelos e choro muito. Às vezes, acordo pensando que meu filho está vivo, dormindo ao meu lado. Não sei como vou ficar se ninguém pagar pelo que foi feito ao meu menino".
 
Anistia Internacional, por meio de nota, condenou a decisão dos desembargadores. A entidade criou um link na internet para pressionar o Ministério Público, que pode recorrer da medida. "A decisão é grave. Por isso soltamos uma ação de mobilização, pedindo justiça pelo caso do Eduardo. A Anistia acompanha a história desde o inicio, e é um dos casos que está documentado no relatório "Você matou meu filho", que lançamos em agosto do ano passado", conta Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia.
 
"Você tinha um menino de dez anos desarmado, na porta de casa, esperando a irmã chegar. Não havia tiroteio. Os policiais entram na rua, atiram, o Eduardo é atingido na cabeça e morre. Os policiais ainda tentaram alterar a cena do crime, impedindo que a perícia fosse feita. Uma morte dessa forma não pode ser considerada legítima defesa. Aceitar essa decisão é dar uma licença para a polícia matar em qualquer circunstância. É inaceitável."
 
PM continua trabalhando
 
A 2ª Câmara Criminal é formada por três desembargadores. Na semana passada, a relatora do processo, desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, já havia aceitado os argumentos da defesa e foi favorável ao arquivamento da ação. Seu voto foi seguido pelo desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes. Os dois consideraram que não há justa causa para o prosseguimento da ação, alegando ausência de conjunto mínimo de provas para a ação penal. A sessão acabou suspensa em razão do pedido de vista do desembargador Paulo de Tarso Neves. O julgamento foi retomado ontem. Paulo de Tarso foi quem votou contra o arquivamento do processo.
 
Quando Eduardo foi atingido na cabeça, policiais lotados na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do complexo, com o apoio de policiais do Batalhão do Choque, procuravam traficantes na favela. Os militares alegam que o menino foi ferido durante troca de tiros entre policiais e bandidos. Parentes de Eduardo negam. Segundo eles, não havia criminosos no local.
 
"Os policiais confundiram o celular que o menino brincava com uma arma. Depois que Eduardo foi atingido, os policiais recolheram as capsulas do local", afirmou um amigo da família do menino, pedindo para não ser identificado.
 
O advogado de defesa do PM, Rafael Abreu Calheiros, disse que seu cliente, após ser transferido de unidade, não deixou de atuar como policial militar, mesmo respondendo ao processo. A alegação da defesa, segundo ele, é que a ação penal era "infundada": "A defesa alega que é uma ação infundada. Não houve fundamentação suficiente para fazer uma acusação dentro da lei. A parte técnica foi toda provada. A defesa da mãe do menino estava dizendo que não houve confronto, e foi provado que houve confronto. Não foi provado que foi do fuzil do policial (que partiu o tiro). A dinâmica do tiro poderia ter sido de uma pistola de 9 mm de curta distancia, que faria o mesmo estrago que um fuzil. As provas foram todas colocadas a favor do meu cliente", argumenta Calheiros.
 
A ação criminal contra o policial militar estava em andamento na 43 Vara Criminal, mas, com o arquivamento, o processo fica suspenso. Ainda cabe recurso do Ministério Público estadual, em instância superior.
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