05/10/2009 - 16:06

COMPARTILHE

Para Britto, Carta prioriza cidadão

Para Britto, Carta prioriza cidadão


Do Jornal do Commercio e da redação da Tribuna do Advogado

05/10/2009 - A Constituição brasileira - primeira lei na hierarquia das normas do País - completa nesta segunda, dia 5, 21 anos de vigência. Chega à fase adulta amadurecida, segundo especialistas. De acordo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, a Carta Magna trouxe a opção pelo Direito privado e deu ênfase aos Direitos Sociais. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, disse que chegou a hora de se comemorar o fato de que uma Constituição que prioriza o cidadão em detrimento dos governantes tenha sobrevivido e permitido a maior estabilidade já vivida no País.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, disse que o texto de 1988 coroou a democracia no Brasil. Já o constitucionalista Luís Roberto Barroso afirmou que a Lei Maior possibilitou mais de duas de décadas de estabilidade institucional ao realizar a adequada demarcação do papel dos poderes e se destacou por ter estabelecido no País a cultura de se proteger os Direitos Fundamentais. Por essas razões, os especialistas ouvidos criticam, com unanimidade, as frequentes emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso e, principalmente, propostas para a convocação de nova Constituinte.

"Como, pois, no momento atual, alguém poder negar a existência de um tempo excepcional de liberdade e de plenitude do Estado de Direito?", questionou Bernardo Cabral, ex-senador e, à época da elaboração da Carta, presidente da Comissão de Sistematização.


Luís Roberto Barroso

A Lei Maior possibilitou ao País mais de duas décadas de estabilidade institucional ao realizar a adequada demarcação do papel dos poderes. A Carta também se destaca por ter estabelecido no País a cultura de se proteger os Direitos Fundamentais, segundo diz o constitucionalista Luís Roberto Barroso, ao fazer um balanço da Constituição nestes 21 anos.

"Apesar destes direitos não serem aplicados à risca, a especificação deles no texto constitucional foi um avanço", afirmou o constitucionalista. "Uma Constituição é um acerto de contas para com o passado e a apresentação um projeto para o futuro. Evidentemente, esses projetos não se realizam todos ao mesmo tempo. De modo que toda Constituição tem proponentes prospectivos, componentes utópicos e objetivos a serem realizados em algum lugar do futuro. Mesmo em áreas como a educação, igualdade e saúde, fizemos imenso progresso", afirmou.

De acordo com Barroso, em relação à saúde, por exemplo, a Constituição apresentou um dos mais ambiciosos projetos de acesso universal, igualitário e gratuito a todos que precisam. "Sei que esse sistema ainda está muito longe do ideal, mas ele representa um grande avanço, portanto não apontaria essa questão como um fiasco da Carta Magna de 1988. Pelo contrário, apontaria como um avanço importante, embora, deva se reconhecer, ainda insuficiente. Ainda há muito o que se fazer", argumentou o constitucionalista, destacando ainda a universalização do acesso à educação e o princípio da igualdade, instituídos pela Lei Maior. Ambos representam avanços da Constituição, que ainda precisam ser plenamente efetivados.

Barroso criticou as frequentes alterações realizadas na Carta. Até o momento foram 58 emendas aprovadas. "Acho que esse é um fator negativo, porém que não comprometeu a subsistência intocada do que era verdadeiramente substantivo na Constituição", disse.


Mozart Valadares

"A promulgação da Constituição de 1988 coroou a democracia brasileira", afirmou Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros - entidade que congrega quase 14 mil juízes em todo o País. De acordo com ele, a Carta foi elaborada com a participação efetiva da sociedade. Houve uma mobilização muito grande de todos os setores da sociedade. "Isso resultou nessa Constituição que o País tem hoje, democrática e com avanços significativos nas questões sociais. Acho que é uma Constituição muito boa, que atende a expectativa da sociedade brasileira", acrescentou.

O magistrado ressaltou que o Judiciário vem fazendo o necessário para efetivar os princípios estabelecidos pela Lei Maior. "O Supremo Tribunal Federal, que é o órgão que dá a última palavra sobre a interpretação da Constituição, vem fazendo uma leitura correta de seu texto, mostrando efetivamente que temos uma Carta que pode ser considerada uma das mais democráticas do mundo", disse.

O presidente da AMB citou exemplos de como essa efetivação vem se dando. Ele destacou a decisão do Supremo que vedou a contratação de parentes nos Três Poderes. A determinação teve por base dois princípios constitucionais: o da moralidade e impessoalidade.

Essa é uma das razões que leva Mozart Valadares a rechaçar qualquer proposta para modificar o texto constitucional. Nesse sentido, ele destaca as que prevêem a convocação de nova constituinte. "Quanto à expectativa de convocação de uma miniconstituinte, para reformar alguns capítulos e matérias específicas da Carta, o Brasil passa por um momento de crise do Legislativo. Tivemos vários escândalos. Acho, então, que esse ambiente está contaminado. Não é propício se rediscutir a realização de uma miniconstituinte. Até porque tenho muito receio de que alguns avanços, tanto democráticos como sociais, acabem subtraídos na tentativa de se reformar", ponderou.


Bernardo Cabral

Vinte um anos após a promulgação da Constituição, o Brasil vive hoje momento em que os direitos e garantias têm sido cumpridos. A constatação é feita ex-senador e ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral. Ele foi presidente da Comissão de Sistematização da Carta de 1988. "Sem a nova Constituição, o País não estaria respirando o ar saudável das liberdades públicas e civis, enfim restauradas, já que a longa era de autoritarismo e a prolongada fase de transição, que lhe sucedeu, receberam, então, o selo que as qualifica como etapas históricas superadas para a formação da nossa cidadania", afirmou.

De acordo com ele, a Constituição soterrou a época do obscurantismo e firmou a liberdade de expressão, de comunicação, de acesso à informação, além do sigilo da fonte e o fim da censura, dentre tantos outros comandos constitucionais de mais alto valor. Em suma, iniciou novos tempos. Mesmo assim, Cabral faz algumas ressalvas. Uma diz respeito ao fato de o sistema parlamentarista, fio condutor da comissão de sistematização, não ter sido aprovado pelo Plenário. Outra está relacionada ao fato de a Carta regular tantos assuntos.

Sobre isso, pondera: "A crítica é procedente. Pena que seja esquecido o instante histórico em que ela foi elaborada, quando participaram da sua feitura políticos cassados, guerrilheiros, banidos, revanchistas, entre outros, os quais, sem dúvida, contribuíram para o detalhismo condenável. Sem contar, à época, com a chamada dicotomia entre os regimes capitalista e comunista".

Bernardo Cabral também é contra o número excessivo de emendas e, principalmente, propostas que visam à convocação de nova constituinte. "Como, pois, no momento atual, alguém poder negar a existência de um tempo excepcional de liberdade e de plenitude do Estado de Direito?", indagou.


Cezar Britto

A Constituição Federal do Brasil chega aos 21 anos amadurecida, avalia o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. De acordo com ele, a Carta possibilitou o maior período de estabilidade política do País. "Ela demonstrou que o constituinte compreendeu, acertadamente, que a melhor forma de solucionar crimes era justamente apostando nos princípios fundamentais do homem como antídoto a abusos autoritários de governantes de plantão", afirmou.

O advogado lembrou que, no período, o Brasil enfrentou crises políticas e afastou um presidente da República. Nada disso, no entanto, abalou a estrutura política brasileira, instituída pela Carta. Britto criticou as mudanças frequentes por meio da aprovação de emendas constitucionais, muitas das quais neoliberais, que acabaram reduzindo o papel do Estado em pontos estratégicos.

"É verdade que alguns de seus princípios demoraram a ser aplicados, como aqueles que garantem a liberdade de expressão, e que outros não passaram de boas intenções já que a igualdade ainda não se concretizou, da mesma forma que a liberdade plena para todos os cidadãos brasileiros", disse.


Marco Aurélio Mello

Precisamos observar e amar um pouco mais a Constituição Federal, afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, ao fazer uma reflexão sobre os 21 anos de vigência da Lei Maior. Segundo afirmou, a Carta Magna trouxe a opção pelo Direito privado. Tem um texto analítico, que primeiro buscou tratar dos Direitos Sociais para somente depois pensar a estrutura do Estado.

Diante disso, o ministro critica tantas alterações. "É uma Carta que se imaginava ser um documento estável, mas já foi emendada umas 60 vezes, tornando-se como que um verdadeiro periódico. Isso não é bom porque cria uma instabilidade muito grande. Quando temos uma regência estável, já surgem conflitos na interpretação desses diplomas. O que se dirá quando temos modificações sucessivas", perguntou.

Marco Aurélio também avalia como negativo o fato de o Congresso não ter regulamentado os artigos da Constituição que dependem de lei complementar. "A Carta trouxe inúmeros dispositivos a dependerem de legislação regulamentadora, para terem uma eficácia maior. E passados tantos anos, ainda não houve a regulamentação, pelo Congresso Nacional, de todos. Então, ela continua, até certo ponto, em stand-by, ou seja, aguardando a fixação de parâmetros para que os cidadãos em geral tenham como exercer as garantias e os direitos constitucionais", disse Marco Aurélio, comentando que o texto constitucional fixou o mandado de injunção como meio de forçar o Legislativo a preencher as lacunas.

No entanto, o Supremo teve uma postura muito tímida em relação ao instrumento. "Quanto ao mandando de injunção, transformou-o em ação simplesmente declaratória da omissão do Congresso. Houve a evolução posteriormente. Passamos no caso concreto a fixar os requisitos para o exercício do Direito. Foi um avanço na jurisprudência do Supremo", explicou.

De acordo com o ministro, o Brasil não precisa de mais emendas. "O que precisamos é observar e amar um pouco mais a Constituição, a qual todos, indistintamente, estão submetidos. Paga-se um preço por se viver em um Estado Democrático de Direito. Esse preço é módico e está ao alcance de todos. É a observância irrestrita às regras estabelecidas. Atravessamos uma quadra que digo que foi de perda de parâmetros, de abandono aos princípios, de inversão de valores. Isso é muito ruim. Não se avança culturalmente assim. O que precisamos, no Brasil, não é de novas leis, mas de homens públicos que observem aquelas já existentes", afirmou.

Abrir WhatsApp