01/10/2015 - 11:30

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Auto de resistência: impunidade é facilitada por lei de 1969

jornal O Globo

Especialistas em análises da violência afirmaram que o Rio precisa seguir o exemplo de outros estados, como São Paulo, e acabar com a tipificação do auto de resistência nos registros de ocorrências policiais. Luciano Bandeira, conselheiro da OAB-RJ, lembrou que o auto de resistência é um instrumento jurídico criado durante a ditadura, segundo o qual um policial tem o direito de reagir de modo extremo a uma ameaça sem ser processado. A ação, neste caso, pode ser justificada apenas por testemunhos de agentes de segurança. O texto em vigor diz que a autoridade responsável pode usar "os meios necessários para vencer a resistência" e que, depois da ação, um auto, assinado por duas pessoas, deverá ser registrado.
 
"Uma tentativa de fraude, como a praticada pelos PMs, poderia ser desmascarada com a mais singela investigação. No entanto, a quantidade de processos que chega à Justiça é mínima em relação ao número de autos de resistência", disse Bandeira.
 
Sem prisão para policiais
 
O auto de resistência foi inicialmente regulamentado por uma ordem de serviço de outubro de 1969 da antiga Superintendência da Polícia Judiciária do Estado da Guanabara. Em dezembro de 1974, foi alterado por uma portaria da Secretaria de Segurança Pública, que estabelecia que o policial não poderia ser preso em flagrante nem indiciado por uma morte durante confronto.
 
Em 2011, depois da morte do menino Juan Moares, baleado em um confronto entre PMs e traficantes em Nova Iguaçu, houve mudanças. Naquele ano, a PM lançou um plano de acompanhamento dos autos de resistência e a Polícia Civil determinou que, diante desses casos, delegados deveriam acionar imediatamente uma equipe para isolar o local, solicitar perícia e apreender as armas dos policiais envolvidos. Mas, segundo a antropóloga Ana Lúcia Schritzmeyer, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a situação pouco mudou:
 
"São corporações pouco transparentes, tanto a PM quanto a Polícia Civil. É preciso mudar esse modelo de registro para que haja um maior controle externo".
 
Um projeto de lei que determina a investigação imediata dos casos de auto de resistência tramita desde 2012 na Câmara dos Deputados, mas enfrenta resistência para ser votado em plenário. De acordo com a proposta, assinada pelos deputados Paulo Teixeira (PT/SP), Miro Teixeira (Rede/RJ) e pelos ex-deputados Protógenes Queiroz e Fábio Trad, o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser rapidamente informados de mortes causadas por policiais.
 
Em março, quando a Câmara aprovou o aumento da pena para crimes cometidos contra policiais, um acordo foi costurado para que o projeto de lei também fosse votado. Há, no entanto, resistência por parte de alguns setores, especialmente os formados pelos parlamentares da "bancada da bala". Deputados que apoiam a proposta querem aproveitar o momento em que o assunto está sendo bastante discutido para forçar sua inclusão na pauta.
 
Fraude em Santa Cruz não teve castigo
 
Assim como no Morro da Providência, policiais também foram flagrados em vídeo modificando a cena de um crime na Favela do Rola, em Santa Cruz, durante uma operação ocorrida em agosto de 2012. Cinco pessoas foram mortas na comunidade, onde as imagens registraram agentes movimentando um dos corpos. O caso foi parar na Justiça, mas não houve punição.
 
Os vídeos foram feitos pela própria Polícia Civil, com uma câmera num helicóptero que deu apoio à operação e uma outra acoplada a um dos policiais. As imagens foram divulgadas pela imprensa em maio do ano seguinte. Como consequência, oito agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) foram denunciados à Justiça. Um deles foi acusado de fraude processual e homicídio qualificado; dois, de homicídio qualificado; e cinco, de fraude processual.
 
Em dezembro do ano passado, a 1ª Vara Criminal decidiu pela suspensão, por dois anos, do processo por fraude processual. A lei permite que o Ministério Público proponha a suspensão, desde que a pena mínima prevista para o crime seja igual ou inferior a um ano de reclusão. No despacho, a juíza Viviane Ramos de Faria determinou que os acusados se apresentassem mensalmente no Fórum, comunicassem qualquer mudança de endereço e não saíssem do Rio por um prazo superior a um mês sem autorização prévia.
 
Em julho deste ano, um dos processos por homicídio foi arquivado pela Justiça.
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