31/08/2009 - 16:06

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Asfor Rocha esclarece o processo de digitalização no STJ

Em entrevista, Asfor Rocha esclarece o processo de digitalização no STJ


Do Jornal do Commercio

31/08/2009 - Alguém imagina que um processo judicial demora até oito meses para sair do gabinete de juiz no estado de origem e chegar à mesa de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para começar a ser analisado e que o custo da remessa desses documentos chega a R$ 20 milhões por ano só com despesas nos Correios? Alguém supõe que o transporte de processos em carrinhos provoca o estrago de 50 portas por mês no prédio do STJ?

Mas o sistema arcaico e burocrático no Judiciário brasileiro está com os dias contados. Em sua gestão, o atual presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, adotou como prioridade a digitalização de todos os processos em tramitação. Quer acabar com o papel.

Está em andamento um mutirão tecnológico para escaneamento, cadastramento, classificação e indexação de 150 milhões de páginas de 450 mil processos de papel. Para o presidente do STJ, um procedimento para envio de documentos que poderia levar um semestre será reduzido a um piscar de olhos. Para que isso seja possível, o STJ montou uma força-tarefa. São 100 pessoas envolvidas, sendo 64 com deficiência auditiva, contratados temporariamente especialmente para essa missão.

A partir desta semana, 22 tribunais estarão conectados com o STJ eletronicamente para envio dos processos pela internet. Desde 2 de janeiro, todos os 1,2 mil autos que chegam são encaminhados diariamente para digitalização. A meta para o final de 2009 é acabar com o acervo em papel.

Leia abaixo a íntegra da entrevista com o presidente do STJ.

Quando surgiu a ideia de digitalizar todos os processos?

Surgiu quando o tribunal percebeu que tinha se tornado pequeno para guardar uma quantidade tão grande de processos. Nós recebemos por dia 1,2 mil processos e temos 300 mil processos no estoque. Precisávamos tomar alguma providência e partimos para a digitalização. Desenvolvemos o sistema de computador no tribunal, com pessoal próprio. Todos os processos que começaram a entrar a partir do dia 2 de janeiro estão sendo digitalizados.

Então o STJ pode ceder esse sistema a outros tribunais?

Estamos fazendo isso. Vamos integrar e modernizar a Justiça. É uma mudança de cultura, encontramos algumas dificuldades e resistências, mas estamos vencendo.

Que tipo de resistência?

Inicialmente dos servidores que acharam que poderiam não prestar mais serviços corretamente, que imaginaram que seus empregos se tornariam desnecessários. Todo mundo tem medo do novo. Alguns ministros achavam que o sistema poderia ser vulnerável. Alguns advogados resistiram um pouco, mas fomos vencendo cada um.

Por que houve resistência de advogados?

As partes poderão acessar facilmente os processos pela internet, mas isso desestimula e dificulta viagens para cá. Evidentemente os advogados querem vir a Brasília, frequentar o tribunal. É natural que queiram manter contatos com outros colegas. Com a facilidade de acesso aos processos, a parte vai dizer: por que você vai a Brasília, se pode acessar e até peticionar o processo onde está? Além disso, muitos escritórios de advocacia em Brasília que fazem o acompanhamento de processos, perdem um pouco. Essa mudança abala o mercado de trabalho. Depois vem a dificuldade do novo, o novo assusta.

Os advogados não deverão continuar vindo a Brasília para despachar com os ministros?

Claro, mas vai ficar muito mais restrito a quando vierem fazer sustentação nos julgamentos ou entregar o memorial. Não vai mais haver necessidade de vir a Brasília apenas para pedir o processo no cartório. Facilita até para os advogados daqui porque o deslocamento importa perda de tempo e do jeito que está o processo é acessível 24 horas por dia 365 dias por ano.

E é totalmente seguro?

Eu digo o seguinte: hoje 80% das operações bancárias são feitas eletronicamente e ninguém questiona a segurança disso. Na Receita Federal, o primeiro armazenamento eletrônico dos dados dos contribuintes está fazendo 40 anos. E ninguém nunca questionou. A declaração de Imposto de Renda também é feita dessa forma, além do sistema de votações.

Existe alguma possibilidade de esses processos de tornarem públicos?

O processo eletrônico é como no papel, os que puderem ser acessados no cartório também poderão ser consultados eletronicamente. O único trabalho que os advogados terão é vir aqui se cadastrar para receber uma senha, e ademais quem prefere não usar o meio virtual, pode vir aqui e pedir uma impressão das folhas de interesse. O advogado paga pela impressão da mesma forma que paga pela cópia do processo. Quebra de paradigma é a coisa mais difícil do mundo, mas podemos entregar o processo num CD e até pelo pen-drive é muito simples. Estamos falando de modernidade.

O senhor acha que esse procedimento agiliza de alguma forma a tramitação dos processos?

Por esse procedimento de vir e voltar processos do STJ para os tribunais de origem nós pagamos aos Correios R$ 20 milhões por ano e depois quando o processo está num tribunal estadual pronto para ser remetido até chegar aqui demora de seis a oito meses em média. Dia 3 de setembro, estaremos anunciando que 22 tribunais estarão remetendo eletronicamente. Então, essa remessa agora será feita num piscar de olhos. O que era oito meses será em segundos. Quando conseguirmos colocar toda a distribuição em dia, a distribuição ainda será automática para cada ministro.

Há uma redução de custos?

Veja só: temos em média 50 portas quebradas por mês por causa dos carrinhos que os transportam. Por isso, temos de ter um setor de conserto de portas. O custo da manutenção dos elevadores também vai reduzir consideravelmente porque o trânsito de pessoas no tribunal vai diminuir, e será ainda uma economia de tempo para os ministros, o que é muito importante. A cada dia eu descubro uma vantagem a mais. Estacionamento, segurança... tudo será reduzido.

E o que acontecerá com os processos?

Eles serão devolvidos para a comarca de origem. Na medida em que se virtualiza, você começa a inventar coisas para poder extrair mais racionalidade. Primeiro vamos agrupar os processos por assunto, autuar, cadastrar, classificar, fazer o índice.

O STJ está entrando na era da modernidade?

Olhe, é sem volta. Sinceramente, estou lhe dizendo, porque sou presidente do orgão de cúpula dos tribunais de paises europeus e latino-americanos de 41 países e ninguém tem isso. Eles ficam encantados. É preciso acreditar, ter ousadia e um pouquinho de loucura, porque há muita resistência. É muito mais fácil ficar na mesmice. Mais cômodo e menos riscos.

O que o cidadão comum espera da Justiça?

Ele se queixa, e com razão, da demora e do preço. Algumas coisas são culpa do Judiciário. Muito pouco. Nós recebemos 1,2 mil processos por dia. São 22 dias úteis. Veja quantos (processos) nós recebemos por ano. É uma loucura. Por isso, sou favorável a gente se mostrar. Então, a morosidade, que muitas vezes se lança ao descaso do juiz, não é. O juiz trabalha muito. Tem os preguiçosos. A gente se mostrando, as pessoas começam a ver. Tem 70 milhões de processos no País. Essa turma está trabalhando. Não é só o meu. Com a Constituição Federal, além de terem sidos instituídos novos direitos, provocando essa demada em massa. As pessoas perderam o medo de litigar. Perderam o medo e vão para o Judiciário, o que sobrecarrega. Estamos combatendo com essas medidas.

Essa vai ser a marca da sua gestão?

A palavra de ordem é: a Justiça é viavel. Todo mundo fala que não tem jeito. Não é assim.

Como um entusiasta das novas tecnologias, o que o senhor acha dessa discussão sobre as regras da propaganda eleitoral na internet?

É complicado. Acho que não tem controle (a legalidade da propaganda). É muito difícil. O Obama usou os meios novos de comunicação. Sou muito favorável à transparência. Não tem que esconder nada. O eletrônico é assim. Quem cometer o crime que pague por isso. As regras ainda são novas, mas todo mundo está na internet.

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