04/07/2011 - 16:06

COMPARTILHE

As ocupações irregulares e o novo Código Florestal

As ocupações irregulares e o novo código florestal


Do Jornal do Commercio

04/07/2011 - A câmara dos deputados aprovou o polêmico projeto que institui um novo Código Florestal, após enérgicas discussões entre ruralistas e ambientalistas. O projeto segue para votação no senado.

Dentre os principais pontos divergentes podemos citar: a anistia a quem desmatou até 2008, abolição da Reserva Legal para pequenas propriedades, a transferência para os estados e municípios da responsabilidade ambiental, a permissão para ocupação em encostas com mais de 45 graus de inclinação e nos topos de morro, além da redução das áreas de proteção às margens dos rios.

Dos temas acima, o que mais preocupa as populações nas cidades são as ocupações nas encostas. Isso porque, ao tocar no assunto, vem a lume a lembrança das recentes tragédias, ocorridas no país, como em Santa Catarina, na região Serrana do Rio de Janeiro e no do Morro do Bumba em Niterói\/RJ.

Não há dúvida que esses desastres decorreram das ocupações desordenadas nos grandes centros urbanos. As casas são construídas em lugares não apropriados por pessoas que não encontram um lugar para morar. Trata-se de um problema histórico decorrente da migração do campo para cidade, aliada a falta de políticas de habitação adequadas para estas populações.

Hoje, a legislação ambiental proíbe a construção em áreas íngremes, que estão sujeitas a deslizamentos. A própria lei de uso do solo manda respeitar os limites estabelecidos pelo Código Florestal, além do Estatuto das Cidades, ter criado mecanismos de combate à construção em áreas de preservação. O governo estuda, inclusive, alterar a lei de ocupação do solo endurecendo as regras existentes.

Apesar da urgência da retirada dessas pessoas desses locais de risco, o governo não investe em um efetivo programa habitacional e, ainda, oferece infraestrutura para a ocupação das áreas de risco.

Com o novo projeto, a situação se agrava, pois em vez de combater irregularidades que, em muitos casos, estiveram por trás das recentes tragédias, cria situações que buscam oficializá-las.

Um exemplo é que o projeto permite o corte da vegetação nativa dos manguezais com função ecológica comprometida para a implantação de áreas habitacionais e de urbanização nas áreas urbanas consolidadas e ocupadas por população de baixa renda.

Também excepciona a preservação das Áreas de Proteção Ambiental (APP), para implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais que, não por acaso, coincidem com muitas das áreas de risco afetadas por chuvas. Permite ainda que o poder público amplie o rol de atividades de utilidade pública e interesse social passíveis de exceções a preservação das APPs.

Atualmente, o Código Florestal proíbe ocupação em encostas com mais de 45 graus de inclinação e em topos de morro. O objetivo da lei atual é preservar a vegetação natural, que aumenta a resistência das encostas e reduz deslizamentos de terra. Porém, o atual Projeto de Lei tem redação confusa, pois faz entender que os topos de morros são desconsiderados como áreas de preservação permanente a construção de casas em encostas seria liberada.

O relator do Projeto na câmara se defende afirmando que o novo código proibirá ainda mais a ocupação das áreas de risco e nega que o projeto trate de regras nas cidades, porém, o texto cita expressamente a regularização fundiária de áreas urbanas.

Ademais, a jurisprudência dos Tribunais afirma que o Código Florestal também se aplica ao meio urbano, pois a carta magna não faz essa distinção. Por outro lado, o Brasil que tem cerca de 60% da sua área coberta por florestas, possui no meio urbano parte de sua vegetação, que também merece proteção.

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, acompanhada dos outros nove ex-ministros que já ocuparam essa pasta, afirma que a mudança do Código Florestal deve ser estudada minuciosamente e não feita de forma assoberbada e sem discussão na sociedade.

Caso contrário, poderá causar danos irreversíveis ambientais.

Diversas organizações ambientais e o Conselho Federal da OAB reforçam o coro de que novos debates ainda são necessários, apesar do projeto já ter tramitado por mais de dois anos.

Deve-se atentar que o impacto de uma lei não pode ser examinado apenas pela letra fria da norma, mas pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural. Embora seja assente a omissão histórica do poder público na aplicação das regras do atual Código Florestal, hoje, ele é um importante instrumento de cobrança de políticas ambientais, principalmente pelo Ministério Público.

Além disso, serve como instrumento de inibição da expansão urbana, embasando a elaboração e revisão dos planos diretores e leis de ocupação do solo, conforme determina o Estatuto das Cidades.

É inegável a necessidade de se atualizar o Código Florestal, que se encontra defasado. Todavia, regras mais flexíveis beneficiam apenas a especulação imobiliária que tem a conivência das prefeituras interessadas em ampliar a arrecadação de IPTU, sem falar no perfil eleitoreiro das regularizações fundiárias que virão.

Portanto, antes de criar um novo Código, que afrouxe a legislação ambiental existente, é preciso fazer com que a legislação atual seja cumprida evitando a ocupação de áreas de risco combinada com uma política efetiva de habitação regular. Somente com essas medidas será possível pensar numa atualização do Código, modificando aquilo que realmente é necessário.

O impacto de uma lei não pode ser examinado apenas pela letra fria da norma, mas pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural.

Abrir WhatsApp