27/05/2009 - 16:06

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Artigo Wadih Damous: Uma prerrogativa injusta

Uma prerrogativa injusta


Wadih Damous*

O acidente que levou à morte dois jovens atropelados pelo deputado estadual Fernando Carli, do Paraná, obriga o Legislativo brasileiro a uma séria reflexão sobre o instituto do foro privilegiado que beneficia parlamentares e outras autoridades pelas leis vigentes em nosso país.

O deputado, segundo laudo oficial divulgado pelas autoridades paranaenses, tinha no sangue quatro vezes o teor alcoólico permitido. Além de estar embriagado, não poderia dirigir porque sua habilitação estava suspensa tinha 23 multas por excesso de velocidade e, no momento do acidente, estaria a 190 km por hora. Tudo isso é de conhecimento público e não se pretende aqui julgar Fernando Carli antecipadamente; a Justiça o fará depois de pesar fatos e provas. Se restarem comprovadas as acusações, ficará claro também que ele não tem condições de continuar a exercer o mandato que os eleitores lhe outorgaram.

O que pretendemos questionar é o porque do foro privilegiado quando não há qualquer conexão entre o exercício do mandato e o fato criminoso.

De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 53, deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. No caso de cometerem crimes, são processados como qualquer cidadão, mas mantêm o foro privilegiado e são julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Para os parlamentares estaduais valem regras semelhantes; se processados criminalmente, são julgados pelo Tribunal de Justiça e não pela primeira instância judicial, como o são as demais pessoas.

Evidentemente, defendemos que a atividade parlamentar esteja protegida; a palavra e a conduta relacionadas ao exercício do mandato têm que ser resguardadas, sob pena de não termos Parlamento livre e independente. Mas essa imunidade não pode se estender a qualquer senador, deputado ou vereador que comete crime fora do exercício do mandato ou de sua função. Este, no nosso entendimento, deve ser julgado como outro cidadão o seria.

A imunidade não pode servir de manto para privilégios injustos e descabidos.

Assim, parece mais justa a aplicação de um dos princípios fundamentais de nossa ordem jurídica: o da igualdade, consagrado no artigo 5º da Constituição Federal. Em decorrência, todos deveriam ser julgados pelos mesmos juízes, sem privilégios. Para isso, será necessário modificar a atual legislação que trata do foro especial.

Essa questão torna-se ainda mais relevante ao debate público quando vivemos um dos piores momentos na vida política brasileira, com o Parlamento passando por uma profunda crise de credibilidade perante uma sociedade indignada e já extremamente cansada com escândalos que se sucedem, quase banalizando-se, cada um sobrepondo-se ao anterior em exibições explícitas de desprezo ao eleitor cidadão.

*Wadih Damous é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro

Artigo publicado no Jornal do Brasil, 27 de maio de 2009

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