16/10/2009 - 16:06

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Artigo: Visão desfocada da Justiça - Antonio Cesar Siqueira

Visão desfocada da Justiça


Antonio Cesar Siqueira*

O papel da Justiça é aplicar a lei. Usar o bom senso e ajudar a melhorar uma sociedade que atravessa uma crise sem precedentes na história do nosso país. Infelizmente, o magistrado, ocupado em julgar milhares de processos, não tem tempo e muitas vezes não pode explicar com detalhes a aplicação da pena.

Confesso que não consigo entender os motivos que animam certas autoridades na ânsia de ocupar espaço na mídia e voltam a um assunto que estava esclarecido, mas, de todo modo, não pode ficar sem um comentário, até pela importância de seu subscritor: o procurador-geral da Justiça do estado.

Em primeiro plano, esclareça-se que o bandido conhecido como Polegar cumpriu quase quinze anos e meio de uma pena que estaria finda em meados de 2011, sendo-lhe negados os benefícios do livramento condicional e do trabalho externo, apesar de todos os pareceres e documentos favoráveis.

Porém, em relação à progressão do regime semi-aberto para o aberto, a lei de execução penal prevê o exame de requisitos objetivos e subjetivos, como afirmado no artigo ora comentado, mas a análise se resume à verificação do decurso de tempo de cumprimento da pena e do comportamento carcerário do apenado, ambos atingidos por Polegar, inclusive com a afirmação de que ele tinha um "comportamento excepcional".

A apresentação de proposta de emprego foi descartada em boa hora pela jurisprudência pelo evidente argumento de que, se já é difícil a colocação de quem tem bons antecedentes, isso acarretaria uma detenção do apenado por outro motivo que não aquele do crime cometido.

Não se perca de vista que em um estado de direito a liberdade individual é bem intangível e ao juiz não é possível sua compressão ouredução, sob quaisquer fundamentos que sejam. Aliás, a vigilância no respeito a esse direito cabe também ao Ministério Público, mesmo em fase de execução da pena.

Dar a entender à opinião pública que ao juiz da execução era possível adotar outra postura é difundir uma visão desfocadado tema e em nada contribui para o aperfeiçoamento das instituições.

A questão em debate encerra o questionamento profundo de todo o sistema legal e carcerário nacional, eis que, enquanto a lei se mantém fiel à verdade presumidade que o apenado passará por um processo de recuperação, a opinião pública vive os efeitos do crescimento vertiginoso da violência e da reincidência dos criminosos.

Se na verdade ideal a progressão de regime é altamente recomendável, na vida vivida o modelo medie val de prisão em nada ajuda na recuperação do apenado, merecendo, no mínimo, sua reavaliação.

Mas isso está afeito ao Legislativo, a quem a Constituição federal e o sistema republicano atribuem o poder\/dever de rever as leis, obediente aos anseios de seus eleitores, ou ainda ao Poder Executivo no que concerne à melhoria das condições carcerárias.

Os fatos nos trazem uma lição. É que, quanto mais se trabalha, mais aumenta, em nosso estado, a demanda reprimida por justiça, e com ela nosso ânimo de atender a coletividade.

Depositar nas costas largas do Poder Judiciário todas as mazelas do sistema desvia a boa discussão do tema e turva a visão dos leigos, que continuarão cobrando de quem não pode lhes ajudar

*Antonio Cesar Siqueira é desembargador

Artigo publicado no jornal O Globo, 16 de outubro de 2009

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