03/12/2009 - 16:06

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Artigo: A que veio a Lei dos Medicamentos Genéricos - José Dirceu

A que veio a Lei dos Medicamentos Genéricos

 

José Dirceu*

 

 

A Lei dos Genéricos entrou em vigor em 1999 com, pelo menos, três claros objetivos: colaborar para a universalização do acesso aos medicamentos; garantir o controle sobre a qualidade e a eficácia dessas drogas; e fortalecer a indústria farmacêutica nacional. Logo, um medicamento para ser considerado genérico, e não apenas "similar", termo hoje praticamente extinto no mercado farmacêutico, tinha que passar por testes de equivalência feitos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão de controle vinculado ao Ministério da Saúde.

 

Dez anos depois, os "similares", ou medicamentos produzidos por outros fabricantes que não aquele que descobriu a droga e a patenteou, quase não existem mais no mercado.

 

Vale uma observação: tanto os "similares" existentes à época como os genéricos já existentes ou que a cada ano passam a ser comercializados só podiam e só podem ser produzidos a partir do momento em que a patente expira. Portanto, quando se fala em "similares", não se quer dizer sobre produtos piratas ou coisa do gênero.

 

Mas o fato é que antes da Lei dos Genéricos o consumidor que procurava pagar menos pelo mesmo sal não poderia ter a plena certeza que estava realmente comprando um produto que faria o mesmo efeito em seu organismo que o chamado remédio "de marca", como se dizia à época.

 

Sob esse aspecto, dos testes de equivalência e eficácia, não resta dúvida que os genéricos cumpriram e continuam a cumprir plenamente seu papelRestam os outros dois principais objetivos: universalizar o acesso aos medicamentos e fortalecer a indústria nacional. Nesses dois casos, seja por falta de fiscalização do varejo, seja por influência das multinacionais, o fato é que ainda há muito a ser feito.

 

Os laboratórios nacionais se fortaleceram com o advento da Lei dos Genéricos, porque puderam passar a fabricar certas drogas e oferecê-las a preço baixo a um até então receoso consumidor, uma vez que a segurança passou a ser comprovada por meio dos testes de equivalência com o sal "de marca".

 

Ocorre que, depois de um certo tempo, algumas dessas indústrias nacionais foram compradas por empresas multinacionais, caso do Medley, abarcado pelo SanofiAventis no ano passado, por R$ 1,5 bilhão, exemplo citado na reportagem Genéricos turbinam ganhos de farmácias, publicada pela Folha de S.Paulo em 15/11. O mesmo textodiz que "hoje eles (os laboratórios nacionais) são alvo de cobiça por parte das grandes multinacionais".

 

Logo, o segundo objetivo da Lei dos Genéricos, de fortalecer a indústria nacional, não foi cumprido ou foi em parte, de forma perversa: funcionou como uma "incubadora" de empresas a serem incorporadas pelas multis.

 

Também como informa a reportagem, o terceiro objetivo, de colaborar para a universalização do acesso aos medicamentos, parece longe de ser atingido, uma vez que as grandes redes de farmácias e drogarias (assim como o termo "medicamento similar", a farmácia independente já é cada vez mais coisa do passado) compram medicamentos genéricos dos laboratórios com aproximadamente 65% de desconto sobre o preço tabelado pela Anvisa e vendem com menos de 20% ao consumidor final.

 

Há que se considerar que, se há um tabelamento, não há comoobrigar as farmácias e drogarias a aumentarem os descontos, uma vez que qualquer penalidade só pode ser aplicada em caso de venda por preço acima do estabelecido.

 

Entretanto, há outros organismos fiscalizadores no âmbito federal, como a Secretaria de Direito Econômico (SDE), ligada ao Ministério da Justiça, e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que têm o poder de verificar se há, por exemplo, indícios de monopolização e de cartelização do setor, e, em caso positivo, tomar as devidas providências, como autuar os operadores desse mercado e informar o Ministério Público Federal para que este venha, se necessário, a levar os possíveis infratores à Justiça.

 

Há mecanismos para fazer com que a Lei dos Medicamentos Genéricos tenha os reais efeitos práticos desejados. A questão é se há disposição para que isso ocorra.

 

 

*José Dirceu é ex-ministro chefe da Casa Civil.

 

Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 3 de dezembro de 2009.

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