08/07/2010 - 16:06

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Artigo: Uso da conciliação na Justiça do Trabalho - Ivan Alemão e José Luiz Soares

Uso da conciliação na Justiça do Trabalho

 

Ivan Alemão e José Luiz Soares*

 

 

O que pode revelar uma análise sobre o "Movimento pela Conciliação" promovido pelo CNJ? Essa pergunta nos mobilizou em um trabalho anteriorsobre o discurso e a prática da conciliação na Justiça do Trabalho, cujos argumentos ora apresentamos resumidamente.

 

A quantidade de acordos homologados em função da campanha aumentou significativamente o seu montante anual? O "Movimento pela Conciliação" promovido pelo CNJ tem obtido êxito em "desafogar" o Judiciário? De acordo com os números fornecidos no site do TST, poderíamos concluir que não. No ano de 2007 toda a Justiça do Trabalho realizou 796.906 acordos, dos quais 19.825 foram realizados na "Semana Nacional pela Conciliação" (de 03 a 08 de dezembro de 2007), considerado um "percentual de sucesso" pelo CNJ. O percentual na semana de conciliação foi  de 2,4% do total de acordos realizados no ano de 2007. Seria alto esse valor? Se considerarmos o montante de 50 semanas úteis (sem o recesso de 19/12 a 07/01), teremos uma média semanal de 15.938 acordos. Neste caso, a semana de conciliação superou a média em mais 20%. Todavia, esse percentual de 20% a mais de acordos em uma semana não correspondeu a um aumento da quantidade de acordos durante o ano, o que se verifica se compararmos a quantidade acordos realizados com a quantidade de processos solucionados. No ano de 2007, os acordos normais (796.906) corresponderam a 43,94% dos processos o solucionados (1.813.355). Já em 2006, foram realizados 745.491 acordos normais para o total de 1.700.741 processos solucionados, o que corresponde a 43,83%, quase o mesmo percentual. No ano de 2005 ocorreram 721.639 acordos normais no total de 1.630.055 processos solucionados, isto é, 44,27% de acordos.

 

Concluímos que, num plano anual, a campanha de conciliação muito pouco ou nada contribuiu para o aumento da quantidade de acordos. Esse resultado é surpreendente considerando a importância dada pelo CNJ à campanha. Os esforços em termos de recursos de propaganda e de medidas administrativas (algumas não usuais e com métodos questionáveis) foram muito grandes em comparação aos resultados.

 

Como vimos, a importância da conciliação é identificada com o fato desta ser um meio mais rápido de resolver um litígio. Embora não tenha sido divulgado pelo CNJ um diagnóstico mais detalhado sobre as deficiências da máquina judiciária, pode-se verificar que foi eleita como inimiga a cultura litigiosa e, como solução, a conciliação ampla. Parece-nos que o diagnóstico e a solução apresentada são um tanto simples para a complexidade da estrutura jurídica e dos mecanismos para solução dos conflitos sociais - o que se expressa no fato de que a proporção de litígios resolvidos por acordo diminuiu, apesar de todos os esforços. 

 

Não há indícios em nenhum documento quanto à existência de obstáculos para a realização dos acordos. A conciliação sempre foi uma opção acessível às partes em demandas que envolvem direitos disponíveis, o que se pode aferir, por exemplo, dos altos índices de acordo historicamente realizados na Justiça do Trabalho.No processo do trabalho, ela é obrigatoriamente incentivada pelos juízes da primeira instância pelo menos duas vezes: no início da primeira audiência e antes da sentença.  

 

Um dos principais problemas do Poder Judiciário é, este sim, o fiel cumprimento das sentenças. Problema que, ao contrário do propagado na campanha pela conciliação, também é presente nos processos conciliatórios, principalmente naquelas mal elaborados ou mal recomendados. A campanha aponta o acordo como "o fim do litígio", o que nem sempre é verdade. Após a realização de acordos muitos incidentes podem ocorrer, não só entre as partes, mas também com a União Federal, ente que defende os interesses da Receita Federal e da Previdência Social na Justiça do Trabalho.

 

Consideramos que o acordo judicial é recomendável, mas não se pode considerar que, invariavelmente, todos os acordos são bons. Também não se pode afirmar que o problema da celeridade da prestação jurisdicional deve ter como prioridade a realização de conciliação. A Justiça do Trabalho já tem como prioridade a conciliação e só esse elemento não a torna efetivamente mais rápida, pois depende de outros elementos de técnica e de qualidade de seus magistrados e funcionários.

 

É sabido que as campanhas promovidas pelo CNJ mobilizam milhares de magistrados, servidores, conciliadores e instituições judiciárias de todo o país a investir maciçamente em ações conciliatórias. Cumpre destacar que o discurso presente nas campanhas pela conciliação a apresenta segundo um modelo de eficiência e de pacificação social. "Rápida e simples. Como um aperto de mão", diz um slogan muito repetido durante as campanhas. As justificativas apresentadas no discurso em favor das práticas conciliatórias concentram-se em apresentá-las como uma alternativa às ações judiciais que é capaz a um só tempo de ser mais ágil na solução dos litígios e "desafogar" o Judiciário, bem como de promover situações em que todos ganham (ao contrário do que ocorre nas ações judiciais, onde há "vencedores" e "vencidos"). Ademais, a execução da sentença, diferentemente do que ocorre em ações judiciais, não se apresenta como um problema, considerando-se que os processos conciliatórios terminam em acordo. Por fim, mas não menos importante, atenta-se para a vantagem, para as partes, que é participar ativamente no processo de resolução do problema, bem como na promoção de uma difusa noção de pacificação social.

 

Identificamos uma grande pressão em prol do uso da conciliação, fazendo desta um fim último das iniciativas judiciárias, em nome de um espírito de celeridade. Junto a essa pressão, encontramos relatos de juizes e advogados que revelam que conciliar NEM SEMPRE é legal. Isso fica claro em problemas como a pouca disposição de empresas em negociar (só aceitando quando decorridos os recursos); empregadores fazendo uso da conciliação como uma estratégia para maximizar ganhos; empregados recebendo quantias espúrias frente ao que lhe é devido; a marcação de diversas audiências em um único dia, cada qual com poucos minutos, o que põe os advogados em dificuldade de acompanhar seus clientes nas audiências etc. Tudo isso, nos remete à necessidade de estabelecer critérios mínimos para a homologação de acordos.

 

 

*Ivan Alemão é juiz titular da 5ª Vara do Trabalho de Niterói e José Luiz Soares é mestre em Sociologia.

 

Artigo divulgado pela OAB/Niterói.

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