17/01/2011 - 16:06

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Artigo: Um convite à reflexão sobre tragédias humanas - César Gomes de Sá

Um convite à reflexão sobre tragédias humanas


*César Gomes de Sá

Com a presente mensagem me ocupo da tentativa de organizar alguns elementos no sentido de provocar e convidar os nossos leitores a uma reflexão sobre o papel de cada um de nós no contexto social, passando por três pontos básicos, a saber: o cidadão enquanto ator cada vez mais solicitado; a cidade e sua viabilidade e, por fim, a conjugação desses elementos e os resultados possíveis de serem obtidos.

Como a proposta é muito mais de trazer à baila conceitos de uso comum do que de promover um ensaio técnico-científico, é relevante destacar que o cidadão perante a nova ordem constitucional inaugurada com a Carta Magna de 1988 – a dita Constituição Cidadã – deixa a posição passiva em que o Estado paternalista que se distanciava dos destinatários de seus desígnios, até mesmo como forma estratégica de inviabilizar as demandas legítimas da sociedade, passa então a desempenhar uma função cada vez mais ativa nesse cenário, cujos instrumentos postos a disposição pelo legislador constituinte não se resumem aos de natureza judicial, como a ação popular ou o mandado de segurança, mas também, e é para esses que dedicarei meu esforço, de natureza não judicial, como a gestão democrática da "res pública" ou coisa pública, o que viabiliza a proteção do patrimônio comum, como o meio ambiente, a aplicação dos recursos públicos e, em última análise, daquilo que é construído com o suor e o dinheiro do contribuinte, ou seja, nosso dinheiro.

Nessa esteira de conhecimento então, passamos a verificar que com a grande influência europeia sobre o texto constitucional trazida às terras tupiniquins por nomes importantes do direito brasileiro como Afonso Arinos, o cidadão foi elevado a condição que sempre mereceu, mas que, infelizmente, tão pouco exercida até os dias atuais.

Como ilustração do que afirmamos, temos as recentes tentativas de mobilização da sociedade civil nos municípios brasileiros para a elaboração e implementação dos planos diretores, verdadeira constituição urbanística e ambiental das cidades, cujas audiências públicas foram realizadas com números inexpressivos ou muito abaixo do ideal de residentes nas localidades onde foram promovidas, fato este verificado em muitos, se não em todos os municípios da nossa região, o que fez gerar documentos que, embora necessários e em vigor, carecem de espírito, valendo-se apenas da forma.

Bem, é fato que a vida nas cidades nos dias atuais corresponde a regra, uma vez que mais de 80% da população brasileira vive em zonas urbanas, sendo certo que trata-se de uma consequência direta de fatores políticos, sociais e econômicos perpetrados, principalmente, no século passado, tais como uma reforma agrária às avessas, que incentiva o latifúndio e o descaso ambiental com o desenvolvimento de técnicas de exploração predatórias inviabilizadoras da vida no campo.

Porém, lamentamos que não haja providência mínimas para que a vida nas cidades no nosso Estado tenham dignidade linear, ou seja, que atinja ricos e pobres indistintamente. Voltamos a atenção à recente tragédia a qual, até o dia da preparação desse "artigo-protesto" contabilizava números que nos causam comoção, vergonha e provocam a reflexão. São concidadãos mortos ou com suas vidas despedaçadas pelas perdas de familiares, vizinhos, amigos, de bens materiais e da sua dignidade.

A OAB, enquanto guardiã da Ordem Jurídica, da Constituição e da Cidadania, já inicia seu movimento no sentido de se posicionar perante mais essa catástrofe, mas a provocação que parte desse protesto é maior: A OAB terá que buscar, mesmo que judicialmente, a responsabilização dos administradores desidiosos e as medidas que evitem tais ocorrências tão previsíveis quanto as chuvas!

Temos que refletir sobre o conceito de solidariedade. Será que seremos solidários arrecadando mantimentos apenas ou podemos e devemos ser mais?

Há menos de dois anos as vítimas foram em Rio Bonito, Itaboraí e Tanguá, principalmente.

E no ano que vem, para onde mandaremos o leite em pó para "crianças mortas"?


*César Gomes de Sá é presidente da 35ª Subseção da OAB (Rio Bonito, Silva Jardim e Tanguá).

 


 

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