09/01/2011 - 16:06

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Artigo: Revendo a Lei nº. 7853/89 - Geraldo Nogueira

Revendo a Lei nº. 7853/89


Geraldo Nogueira*

O Brasil, considerado como o país possuidor da legislação para inclusão de pessoas com deficiência mais avançada das Américas, dispõe da Lei nº. 7.853, promulgada pelo então governo José Sarney, em 24 de outubro de 1989, com o objetivo de promover a integração social das pessoas com deficiência, instituir a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos do segmento, disciplinar a atuação do Ministério Público e, finalmente, inovar na definição de crimes, grafados em seu artigo 8º, que diz:

"Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa: I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta; II - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua deficiência; III - negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho; IV - recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, à pessoa portadora de deficiência; V - deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei; VI - recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público".

Não obstante as nossas reservas ao mandato do atual Sen. Sarney, por todos os recentes episódios que envolveram seu nome, com relação à edição da primeira lei de conteúdo geral a instituir políticas publicas para pessoas com deficiência no Brasil, temos que reconhecer a sua coragem e visão de futuro, também merecendo destaque, a Sra. Teresa d'Amaral que, na época, incorporando comitê oficial do governo, teve participação na elaboração da Lei e na criação da CORDE (órgão governamental que foi responsável pela política de integração das pessoas com deficiência), tendo recentemente se transformado na Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. A Lei é um marco na construção legislativa para pessoas com deficiência de nosso país, principalmente se considerarmos seus 20 anos de existência e que a participação destacada imposta ao Ministério Público como tutor natural - embora não exclusivo - dos direitos das pessoas com deficiência, tanto administrativamente, através do inquérito civil, como judicialmente por meio de Ação Civil Pública, ainda seja moderna instrumentalização para torná-la exequível. O inquérito civil que antes da Lei era instrumento utilizado basicamente na tutela ambiental e do consumidor passou também a integrar o sistema de proteção das pessoas com deficiência. Nesse sentido, o art. 6º diz, expressamente, que:

"O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, não inferior a 10(dez) dias úteis. (...)”.

Além da possibilidade de atuação administrativa, a Lei confere ao Ministério Público legitimidade "ad causam" para buscar a tutela judicial dos interesses das pessoas com deficiência. Diz o art. 3º da Lei:

”As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal; por associações constituídas há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência".

Examinando o artigo acima transcrito, verificamos que as Ações Civis Públicas, também podem ser propostas pelas associações constituídas há mais de um ano. No entanto percebe-se que na prática a tutela jurisdicional das pessoas com deficiência é muito pouco usada pelas as associações de defesa dos direitos do segmento e, menos ainda, pelo Ministério Público que diante de ferramenta jurídica tão eficaz, em muitos casos não atua como determinado na Lei, ainda mais quando é de sua essência o agir, mesmo ausente a provocação.

Como a Lei trata dos principais eixos temáticos que interessam à política de inclusão social das pessoas com deficiência; tais como: acessibilidade, educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social, amparo à infância e à maternidade, além de outros decorrentes da Constituição e das leis, sendo ainda eficaz instrumento jurídico para acionar o Poder Judiciário na defesa dos interesses coletivos e difusos do segmento, acreditamos que, passados 20 (vinte) anos de sua edição, mereça uma boa revisão, na qual incorpore os ditames da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como de legislações mais recentes e os novos direitos surgidos, tornando-se uma espécie de "lei geral", que institua as principais linhas de ação para implementação da política nacional de inclusão da pessoa com deficiência, oferecendo ainda os instrumentos jurídicos para uma intervenção rápida e eficaz dos órgãos que compõem o judiciário.

Entendemos que a reforma da lei, preservando suas inovações e ampliando seu arcabouço de garantia de direitos, porá fim à polêmica de criação do "Estatuto sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência", pois, diferentemente deste, a lei poderá tratar os assuntos controversos em linhas gerais de direcionamento, ficando a cargo do Judiciário, se for o caso, aplicá-los aos casos específicos ou individuais, o que certamente trará maior equilíbrio social. No entanto, nada impede que a lei incorpore em seu texto, de forma clara e com objetividade de aplicação, os direitos não controversos, garantindo assim, uma justiça ágil e equânime para toda sociedade.


*Geraldo Nogueira é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/RJ.

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