10/03/2011 - 16:06

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Artigo: O Quinto não é dos infernos - Ronaldo Cramer

O Quinto não é dos infernos


* Ronaldo Cramer

A Constituição prevê que um quinto da composição dos Tribunais de segunda instância e um terço dos integrantes do Superior Tribunal de Justiça sejam oriundos da Advocacia e do Ministério Público. Esse meio de ingresso nos Tribunais recebeu o nome de Quinto constitucional.

Ultimamente, o Quinto constitucional da OAB vem sendo combatido por alguns setores da magistratura de carreira, que chegam, inclusive, a defender a sua extinção. Segundo os críticos, os candidatos do Quinto da OAB não se submetem a concurso público e, por esse motivo, tornam-se magistrados sem a mesma qualificação que os juízes de carreira.

Como se sabe, o Quinto constitucional tem dois propósitos. O primeiro é tornar mais pluralista a composição dos Tribunais, na medida em que permite o ingresso de magistrados advindos da Advocacia, com experiência e visão forense distintas dos juízes de carreira. E o segundo é democratizar o ingresso no Judiciário, uma vez que a OAB, como órgão representativo da sociedade civil, tem por hábito indicar nomes que não têm nenhum compromisso corporativo.

Além disso, os magistrados do Quinto têm, em regra, mais sensibilidade em compreender as dificuldades da Justiça, pois, antes de vestirem a toga, foram por bom tempo consumidores do serviço judicial.

Ao contrário do que dizem os críticos, o processo seletivo do Quinto não é inferior ao concurso público dos juízes de carreira. Não há como comparar, já que os critérios são completamente diferentes.

Os candidatos do Quinto também passam por testes difíceis. Na OAB, têm seus currículos analisados, são sabatinados perante os Conselheiros e concorrem, numa eleição de voto aberto, a uma das vagas da lista sêxtupla. No Tribunal, submetem-se à nova eleição, onde concorrem a uma das vagas da lista tríplice. Por último, apenas um dos candidatos deve ser escolhido pelo governador ou Presidente da República.

É um caminho difícil, e o candidato vencedor deve demonstrar várias competências, além de conhecimento jurídico.

Se, eventualmente, não é eleito o melhor candidato ou ocorrem algumas dificuldades no processo seletivo, esse problema não é exclusivo do Quinto. Não é raro vermos denúncias comprovadas de vazamentos de gabaritos em concursos para a magistratura de carreira. Nem por isso, a OAB defende a extinção do concurso público ou a modificação do modo de seleção dos juízes de carreira. Em vez disso, a A Ordem tem procurado colaborar com o Judiciário para coibir as fraudes nesses concursos.

De toda maneira, os críticos não percebem que o Quinto constitucional não é forma de ingresso na magistratura, mas meio de composição dos Tribunais. E não há concurso público para integrar os Tribunais.

Nem mesmo para os juízes de carreira, que são escolhidos por antiguidade ou merecimento, critérios que, às vezes, podem conter alguma dose de subjetividade.

No contexto desse debate, algumas posições impressionam. Há poucos dias, foi publicado neste jornal um artigo de um desembargador.

O desembargador disse que a última lista sêxtupla da OAB/RJ foi devolvida porque não era qualificada e aconselhou a Ordem a ser mais cuidadosa na seleção de seus candidatos.

Deve ser esclarecido que a referida lista não foi devolvida porque seus integrantes não eram habilitados, mas porque apenas um candidato recebeu o número suficiente de votos para compor a lista tríplice, o que, aliás, se atribui ao fato de o Tribunal Pleno não estar completo no dia da votação. Ao informar a OAB/RJ do ocorrido, a Presidência do Tribunal de Justiça do Rio nada disse sobre a qualificação dos candidatos.

Também não é pertinente aconselhar a OAB a escolher melhor os candidatos. Se, eventualmente, existe algum problema com determinado candidato, o magistrado deve apontar e justificar o que há de errado. Essa postura, em vez da outra, contribui para o aprimoramento do processo seletivo.

Lamentavelmente, parece haver nessa discussão uma premissa equivocada, que tem dificultado a busca do consenso. Os Tribunais, órgãos do Poder Judiciário, não são da magistratura de carreira, mas do povo. Numa democracia, todo poder, inclusive o Judiciário, é exercido pelo povo e em nome do povo. E o povo escolheu, desde a Constituição de 1934, que os Tribunais serão compostos por magistrados de carreira, advogados e membros do Ministério Público.

Por tudo isso, em vez de desprestigiarem o Quinto, os críticos deveriam colaborar com a OAB para que o instituto continue a ser, como sempre foi, meio de seleção de magistrados competentes e honestos.

Afinal, perdoem-me o trocadilho barato o Quinto não é dos infernos, é constitucional.

* Ronaldo Cramer é procurador-geral da OAB/RJ e professor de direito processual civil da PUC-Rio

Artigo publicado no Jornal do Commercio no dia 10/03/2011

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