21/05/2010 - 16:06

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Artigo: Novo Supremo Tribunal - Dalmo Dallari

Novo Supremo Tribunal


Dalmo Dallari*

Recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação absurdamente extensiva da Lei de Anistia (Lei 6.683/79) tem sido objeto de intensa manifestação de desagrado em todo o país. Considera-se contrário aos princípios democráticos consagrados na Constituição admitir que cinco pessoas, sem representatividade, possam decidir contra a Constituição, concedendo o privilégio da impunidade a criminosos que, sendo funcionários pagos pelo Estado e não tendo motivação política, agiram ilegalmente e com extrema crueldade, praticando atos que a legislação definia e continua definindo como crimes. A decisão aqui referida, de 29 de abril último, foi tomada por cinco membros do Tribunal, que compunham naquele momento a maioria dos votantes. E os cinco votos tiveram fundamentação exclusivamente política, afrontando disposições constitucionais expressas.

Com efeito, a Constituição de 1969, vigente na data em que foi posta em vigor a Lei de Anistia, dispunha no artigo 153, § 4º: "A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual". Exatamente no mesmo sentido dispõe a atual Constituição brasileira, em seu artigo 5º, inciso XXXV: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". E a anistia, prevista no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de 1988, só beneficiou os atingidos por atos de exceção "de motivação exclusivamente política". Assim, pois, é flagrantemente inconstitucional uma decisão que pretende impedir o Poder Judiciário de apurar responsabilidades em casos de manifesta lesão de direitos individuais, como o direito à vida, à integridade física e à dignidade humana.

Analisando-se a fundamentação dos votos favoráveis à impunidade daqueles criminosos, verifica-se uma total coincidência com a argumentação, eminentemente política, dos defensores da extensão da anistia aos torturadores. A constatação dessa coincidência reabriu o questionamento sobre o processo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal, reforçando a convicção da necessidade de mudança do critério de escolha dos membros daquela alta Corte, para que ela seja mais representativa dos valores fundamentais da sociedade brasileira e menos sujeita a influências de pessoas ou grupos interessados. De fato, tanto no voto do relator da decisão favorável aos torturadores quanto nos dos julgadores que o acompanharam, verifica-se absoluta coincidência com os argumentos usados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que, sabe-se, exerceu grande influência na indicação de vários dos atuais integrantes do Supremo Tribunal Federal.

Motivados por esse e outros precedentes, eminentes juristas retomaram as propostas de mudança no processo de escolha dos membros do Supremo Tribunal, para dar maior legitimidade democrática aos seus integrantes e para que eles próprios sejam protegidos de pressões espúrias. Uma proposta para o preenchimento de vaga de ministro do Supremo Tribunal é a realização de uma consulta de âmbito nacional, dando-se às instituições diretamente ligadas às atividades jurídicas, como os tribunais, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados e as entidades associativas dessas áreas, a oportunidade de sugerir nomes. Entre os três nomes que recebessem maior número de indicações o presidente da República escolheria um deles e o submeteria à aprovação do Congresso Nacional. Certamente, a par de conferir legitimidade democrática aos integrantes da Suprema Corte, isso evitaria a perda de sua autoridade e respeitabilidade.


*Dalmo Dallari é professor e jurista

Artigo publicado no Jornal do Brasil em 21 de maio de 2010

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