21/07/2010 - 16:06

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Artigo: À luz dos holofotes - José Carlos Tórtima

À luz dos holofotes

 

José Carlos Tórtima*

 

 

O problema é recorrente e conhecido hospedeiro de graves prejuízos à Justiça e até de algumas tragédias. O açodamento com que agem determinadas autoridades sob o foco dos holofotes da mídia nos casos criminais de repercussão já levou a erros judiciários monumentais e à destruição de famílias. Ainda no Império, o fazendeiro Mota Coqueiro, suposto assassino de uma família de escravos, foi sentenciado à morte por um crime que não cometeu, mas os jornais, empolgados com a notoriedade do caso, a ele Mota Coqueiro, só se referiam como a Fera de Macabu. Quando, depois da sua execução, se descobriu que o processo fora manipulado por um poderoso inimigo de Coqueiro para incriminar o réu, o imperador, horrorizado, passou a comutar, sistematicamente, as penas de morte.

 

Em 1994, em São Paulo, três casais, dirigentes e funcionários da Escola Base, foram acusados e presos por terem supostamente organizado orgias com as crianças do colégio. Depois se comprovou que eram inocentes, mas suas vidas já estavam arrasadas. Entre os dois episódios, houve o célebre caso dos irmãos Naves, condenados na década de 30 pela morte do primo que depois apareceria vivo. O fio condutor dessas três tristes histórias: a falta de isenção dos responsáveis pela apuração e/ou julgamento dos fatos, e sua promíscua relação com jornalistas menos escrupulosos.

 

A lei processual busca garantir aos acusados o direito a um julgamento imparcial, prevendo algumas hipóteses em que o juiz deve se dar por suspeito ou impedido. Já nos processos de competência do Tribunal do Júri, o julgamento poderá ser desaforado para outra comarca, sempre que pairar dúvida sobre a imparcialidade dos jurados locais. O princípio da imparcialidade dos julgamentos tem matriz na própria Constituição, pois as prerrogativas e impedimentos dos magistrados foram nela previstos para assegurar a independência e a isenção dos juízes. O direito a um julgamento imparcial, livre de influências estranhas às revelações dos próprios autos, é, portanto, paradigma indissociável do estado de direito, não podendo ser sacrificado por mais grave que seja o crime cometido. O caso Eliza Samudio, envolvendo o goleiro Bruno, é emblemático.

 

Culpado ou inocente, tem ele também o direito a ser julgado com imparcialidade. Mas será isso possível, diante do massacre impiedoso da mídia que, com raras exceções, já o aponta como assassino? Ou quando a própria autoridade policial responsável pelo inquérito, afastando-se da postura isenta, parece mais preocupada em demonizar a figura do suspeito do que corrigir as notórias falhas da investigação? Terão os futuros jurados, no momento de apresentar o veredicto, condições de neutralizar, nas suas consciências, a influência da condenação antecipada do acusado nos meios de comunicação? Dirão alguns que o caso do goleiro é diferente, pois sua participação no crime seria evidente. Vale então recordar que para muitos, até a verdade aparecer, também eram evidentemente culpados os irmãos Naves, Mota Coqueiro e os responsáveis pela Escola Base.

 

 

José Carlos Tórtima é advogado e ex-conselheiro da OAB/RJ.

 

Artigo publicado no jornal O Globo, em 21 de julho de 2010.

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