08/05/2009 - 16:06

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Artigo: O divórcio e a obrigação alimentar - Bianca Ferreira Papin

O divórcio e a obrigação alimentar


Bianca Ferreira Papin*

Com o casamento, o homem e a mulher assumem mutuamente a condição jurídica de cônjuges, estabelecendo-se entre eles alguns deveres inerentes à sociedade conjugal, dentre os quais se destaca o dever de mútua assistência que, além de perdurar ao longo do matrimônio, protrai-se no tempo, no caso de separação do casal, transmutando-se no dever alimentar recíproco entre os cônjuges.

Entretanto, é importante lembrar que a separação judicial põe fim à sociedade conjugal, mas não encerra definitivamente o vínculo matrimonial, tanto que permanecem os cônjuges impedidos de contrair novas núpcias.

O casamento válido apenas se dissolve com a morte ou com o divórcio, extinguindo-se o vínculo jurídico e todas as relações dele advindas, inclusive o dever de mútua assistência.

Tal ruptura, além do conhecido desimpedimento para contrair novo casamento, gera consequências outras - muitas vezes desprezadas ou mesmo esquecidas -, que afetam fundamentalmente as partes envolvidas e arrastam com elas efeitos práticos irreversíveis.

Uma dessas consequências é a impossibilidade de se pleitear alimentos em decorrência do rompimento matrimonial após o divórcio, quando este direito foi dispensado ou renunciado quando da separação judicial ou posteriormente a ela e, ainda, durante o estado de separação o cônjuge não obteve a qualquer título a concessão de alimentos (através do ajuizamento de ação de alimentos).

Após longa discussão a respeito, firmou-se unissonamente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o ex-cônjuge somente poderá reclamar alimentos após o divórcio se, por ocasião do acordo de dissolução do vínculo, houve ressalva desse direito.

Esclareça-se que não é a dispensa ou a renúncia aos alimentos que impede o ex-cônjuge de postulá-los posteriormente, e, sim, a extinção do vínculo jurídico do casamento pelo divórcio, que faz desaparecer a condição de cônjuge e o direito de pleitear alimentos. Daí impertinente qualquer alegação de que seriam irrenunciáveis os alimentos, de acordo com o atual Código Civil (artigo 1707), já que diversa é a sua causa.

Inexistente o liame obrigacional entre os ex-cônjuges, sob o aspecto processual, aquele que reclama alimentos do outro consorte após o divórcio, sequer passará à análise do mérito de suas eventuais necessidades (que podem até existir), vez que será carecedor da ação por ilegitimidade de parte, devendo o processo ser extinto preliminarmente.

Num raciocínio inverso, havendo obrigação alimentar estabelecida anteriormente ao divórcio, e neste não alterada, será ela mantida, como exceção, ainda que não mais subsista qualquer vinculação jurídica entre o ex-casal.

Nesse caso, emergiu nova celeuma em torno da possibilidade de redução ou exoneração da obrigação alimentar, sob as diretrizes dos artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil, fundadas no difundido binômio ?Rpossibilidade?R da pessoa obrigada e ?Rnecessidade?R de quem pleiteia. Isso porque, aliado ao raciocínio de que o divórcio estancaria toda e qualquer assistência entre as partes e assim, a possibilidade de postular alimentos, boa parte da doutrina passou a sustentar que a obrigação alimentar, após o divórcio, assumiria natureza meramente contratual, devendo ser cumprida independentemente da alteração da fortuna das partes.

Recentemente, o STJ, em acórdão de relatoria da ministra Nancy Andrighi, não só admitiu a submissão dessa relação alimentar sui generis à análise da real necessidade de quem a reclama, mas também traçou orientações primordiais ao julgador para a fixação da pensão alimentícia.

Segundo o julgado, o primeiro ponto a ser examinado é a necessidade do alimentando, que carrega um aspecto altamente objetivo (existência do patrimônio suficiente à manutenção do ex-cônjuge) e outro revestido de elevada subjetividade: existência de capacidade para o trabalho.

O caráter objetivo, evidentemente, dispensa maiores digressões. No entanto, a definição da capacidade ou não de auto-sustento daquele que recebe ou pretende receber alimentos exige do julgador um exame detido da situação fática, a fim de evitar injustiças ou até o enriquecimento indevido de uma das partes.

A partir de uma análise da atual situação sócio-econômica do País constatou-se no referido acórdão que o aumento da expectativa de vida e o acesso à educação e profissionalização propiciam uma maior possibilidade de inserção no mercado de trabalho, ainda que tardia, daqueles que, por opção ou não, se mantiveram à margem da atividade profissional. Claro que há que se considerar, ainda hoje, a presunção de necessidade do ex-cônjuge que possui idade avançada, longo período de casamento e deficiência ou desatualização na formação educacional, mas o julgado também esclarece que não é toda mãe que se dedica, com exclusividade, à criação dos filhos e à administração do lar que deve receber necessariamente o pensionamento usualmente a ela concedido.

Através desse precedente, o STJ parece estar buscando uma forma de estabelecer contornos conjunturais para identificar, de forma mais concreta e objetiva, a existência de necessidade daquele que pretende receber alimentos, de forma a evitar-se o Resvaziamento do texto legal, ou ao contrário, referendar-se o ócio injustificado, nas palavras da própria ministra.


Artigo publicado na Gazeta Mercantil, 8 de maio de 2009

*Bianca Ferreira Papin é especialista em Direito de Família

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