15/10/2009 - 16:06

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Artigo: O apostolo Tiago e a Constituição - Siro Darlan

O apostolo Tiago e a Constituição

 

Siro Darlan*

 

 

Segundo o Livro da Sabedoria os ímpios dizem Armemos ciladas porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprovam as faltas contra a nossa disciplina. Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovemos o que vai acontecer com ele. Se, de fato, o justo é filho de Deus, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos. Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver sua serenidade e provar a sua paciência; vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro

 

Recordo essa passagem porque no último dia 5 de outubro foi comemorada a maioridade de nossa Constituição, que coroou a democracia em nosso País, possibilitando a estabilidade institucional e priorizando os direitos sociais, além de dar maturidade à classe política para instaurar um grande debate nacional na busca do cumprimento dos direitos por ela garantidos. E em sede do Poder Judiciário foi de suma importância a mobilização promovida pelos magistrados que lideravam o processo associativo naquela ocasião.

 

No Rio de Janeiro essa mobilização foi capitaneada por um magistrado de baixa estatura física, mas da mais alta estatura moral e ética, que já honrou nosso Tribunal de Justiça, o Desembargador Tiago Ribas Filho. Presidiu não apenas a Amaerj - Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, como o Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Eleitoral. Já promovido a desembargador, foi sempre um fiel companheiro dos juízes de primeira instância, promovendo, quando ainda não existia a Escola da Magistratura, debates culturais e acadêmicos com os melhores mestres do direito, capacitando e orientando os novos magistrados que se sentiam apoiados e fortalecidos por sua liderança maior.

 

Foi sob a batuta de Tiago que se criou uma verdadeira representação jurídico parlamentar de respeitável conhecimento de direito público e de relações institucionais. Destacaram-se nessa tropa de choque os atuais desembargadores Mario dos Santos Paulo, então chamado o Senador da Magistratura, Luis Fernando de Carvalho e Fernando Cabral, já aposentado.

 

Graças a essa providencial representação que muitos dos direitos que hoje gozamos foram criados e, ou preservados, tais como a restrição de promoção por merecimento aos que formarem quinta parte da antiguidade, que serviu para evitar os favorecimentos por motivos de parentesco, amizade ou outras motivações mais estranhas; a garantia de uma remuneração digna, através de mecanismos que permitissem uma vinculação com o Legislativo, posteriormente alterada, e que possibilitou, recentemente, o recebimento, pelos magistrados ingressos até 1988, de parcela vencimental atrasada, a título de equivalência salarial, com referência às diárias dos deputados; o fim da intervenção do Executivo na escolha do juiz a ser promovido ou removido, na lista tríplice formada pelo Tribunal, vitória que se restringiu ao âmbito estadual, mantendo-se infelizmente, no âmbito federal; a imposição, no texto constitucional, de indicativos para a promoção por merecimento, que veio a ser mantida na emenda 45/04, e propiciou o entendimento da necessidade da fundamentação para esta modalidade de promoção.

 

Essas foram apenas algumas das muitas conquistas realizadas por esse grupo de colegas que a título de exemplo lembrei-me de enumerar, que vieram dar garantir outras que se sucederam.

 

Acho que merece relevância ainda o espírito fraterno que então reinava no seio da magistratura, pautado pela união de interesses comuns e espírito público. O líder era um desembargador que nunca fez diferença entra os magistrados e desde sempre convivia conosco emprestando sua autoridade e liderança para o serviço da magistratura. Vivia e conhecia como ninguém os anseios e necessidade dos juízes de primeiro grau e se ombreava na busca de soluções encurtando as distâncias entre as instâncias, mesmo que essa não fosse a postura da maioria dos que compunham a segunda instância.

 

Foi Tiago o responsável pela revolução realizada pelos Juizados Especiais, encurtando o caminho dos cidadãos entre seus direitos e a realização da Justiça, democratizando o acesso aos seus direitos fundamentais, bandeira que liderou e foi pioneiro e paradigma em todo País.

 

No momento em que a Constituição completa 21 anos é prudente recordar e valorizar aqueles que contemporaneamente lutaram para torná-la realidade, e não resta dúvida que aqueles que militamos na Justiça precisamos ser os primeiros a reconhecer a doce figura de Tiago Ribas Filho como o timoneiro que nos garantiu tantas conquistas e nos anima a prosseguirmos sua obra na busca de maior democratização do Poder Judiciário e da efetividade da verdadeira Justiça.

 

 

*Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça.

 

Artigo publicado no Jornal do Commercio, em 15 de outubro de 2009.

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