15/04/2009 - 16:06

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Artigo: Águas infinitas? - Josá Carlos Tórtima

Águas infinitas?


José Carlos Tórtima*

Na deslumbrada primeira visão da nossa terra, Pero Vaz de Caminha, o empolgado escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, não conteria o eufórico otimismo ao anunciar, em sua célebre carta ao rei de Portugal, Dom Manuel, que as águas da nova colônia eram não só muitas, mas infinitas. Talvez, no afã de abrandar um possível desapontamento do ansioso soberano, que todas as noites sonhava com filões de ouro quase à beira-mar e colares de esmeraldas a enfeitar os pescoços dos aborígenes, estivesse Caminha a lhe oferecer uma espécie de "prêmio de consolação", com as tais "águas infinitas".

Só não poderia ele imaginar que, com sua bela carta de apresentação do Brasil aos nossos ancestrais lusitanos, estaria lançando as sementes da arraigada e onipresente cultura do esbanjamento do precioso líquido e do mito de sua inesgotabilidade. Cultura esta que até hoje se faz presente nas cenas de desperdício explícito nas nossas cidades.

Mas também na timidez de políticas públicas direcionadas à preservação de nossas reservas em água, tais como a conservação de lençóis freáticos, captação e aproveitamento das águas pluviais, técnicas racionais de irrigação e a busca sistemática de fontes alternativas de energia limpa, distintas das hidrelétricas.

Riqueza cuja escassez em outras partes do mundo já desencadeou conflitos armados e tem dado alento a inquietantes teses de internacionalização de regiões com abundânia do produto.

Creio que chegou, e já tarde, o momento de introjetarmos definitivamente a ideia de que nossas águas são abundantes, mas não infinitas. E de que sem elas o futuro será um inferno.


* José Carlos Tórtima é presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro.

Artigo publicado no jornal O Dia, 15 de abril de 2009.

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