26/01/2017 - 11:03 | última atualização em 26/01/2017 - 11:01

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Ameaças de Trump assombram jovens imigrantes irregulares

jornal O Globo

O medo de ser deportado assombra pelo menos 750 mil jovens americanos, filhos de imigrantes ilegais que vivem nos Estados Unidos desde que nasceram ou que chegaram com os pais ainda na infância. É que o presidente Donald Trump - que se referiu a mexicanos como estupradores e confirmou ontem a construção de um muro na fronteira com o país vizinho nos próximos meses - já disse que anulará o Daca, programa lançado por Barack Obama que ampara o grupo da deportação. Para o novo presidente, trata-se de uma "anistia ilegal'.'
 
Fundada há 40 anos, a Irmandade Mexicana Nacional, com sede em Los Angeles, vem recebendo muito mais pedidos de inscrições para o programa. Em geral, a renovação do Daca deve ser feita com cinco meses de antecedência, mas muitos estão se antecipando, temendo o que vem pela frente.
 
"Vemos que o Daca corre alto risco. O presidente tomou atitudes muito agressivas em relação a outros programas e não nos surpreenderia que a qualquer minuto acabasse com o Daca", afirma ao Globo Angelina Corona, diretora-executiva da organização. "Estamos vendo muita ansiedade entre os solicitantes. Qualquer pessoa que tenha um trâmite pendente quer acelerá-lo. Há bastante medo de que isso leve a uma onda de batidas por parte da polícia de imigração".
 
Ativista e uma das organizadoras do Movimento de Estudantes Imigrantes em Boston, a brasileira Valéria do Vale, que mora há 13 anos nos EUA, teme agora pelo futuro da irmã, que tem 14 anos e só poderia ser beneficiada pelo Daca quando fizesse 15, este ano. Há 13 anos no país Valéria é indocumentada e chegou ilegalmente com a família, aos 7, pela fronteira com o México - ela conseguiu em 2014 uma bolsa na Northwest University, onde estuda Ciências Políticas e Sociologia. O benefício só foi concedido porque a estudante estava cadastrada no Daca. Graças ao programa, além das aulas e das atividades na ONG, Valéria tem dois empregos formais.
 
"Se não fosse pelo programa, talvez não estivesse na universidade, mesmo com boas notas", conta ao Globo. Lutamos pelo direito dos imigrantes e para que nossa comunidade progrida. Muitos temem perder os benefícios que conquistamos se amanhã Trump assinar um papel. Fiquei com o coração partido quando ele se elegeu. Dói muito saber que minha irmã, tão estudiosa, pode não ter as mesmas oportunidades que eu tive.
 
Nas semanas anteriores à eleição, mais de 200 jovens imigrantes voltaram ao México graças a uma cláusula do programa que permite viagens ao exterior por razões acadêmicas.ou emergências familiares. Ele puderam voltar legalmente - o que não sabem se conseguirão fazer novamente. Um deles foi o mexicano Álvaro Castillo Garcia, estudante de pós-graduação da Universidade Estadual da Califórnia. Ele lembra que, antes do Daca, precisava esconder seu status imigratório por medo de ser deportado.
 
"Não podia nem dirigir. Geralmente tínhamos que mentir sobre onde nascemos. O Daca nos deu liberdade de nos sentirmos parte da sociedade, permitiu que nos sentíssemos humanos", contou à AP. "Eliminar o programa seria como dar um doce a uma criança e depois tirar. Mas não somos bebês. Não vamos aceitar isso passivamente".
 
Com o receio de possíveis mudanças nas regras imigratórias, a cota de pedidos de visto para que empregadores americanos contratem estrangeiros para trabalharem legalmente nos EUA atingiu seu limite máximo. Segundo a consultoria americana Hayman-Woodward, o Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos (Useis) recebeu até 10 de janeiro um número suficiente de solicitações para as 33 mil vagas reservadas à categoria no primeiro semestre fiscal americano, até 31 de março.
 
"O momento agora é de confirmar sua retórica da campanha. Trump vem tomando medidas homeopáticas, que não necessariamente causariam uma revolta enorme no mercado. O que eu prevejo é que ele faça primeiro mudanças provisórias e pontuais em relação ao sistema imigratório", explica Leonardo Freitas, sócio fundador da Hayman-Woodward. "Com o tempo, acredito que o Daca acabará se tomando nulo e perderá efeito. Muito brevemente, quem não estiver legal receberá o famoso convite para se retirar".
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