30/05/2018 - 11:51 | última atualização em 01/06/2018 - 12:01

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Em artigo, Fábio Nogueira demonstra preocupação com intolerância

redação da Tribuna do Advogado

Em artigo publicado no jornal O Globo nesta quarta-feira, dia 30, o procurador-geral da OAB/RJ, Fábio Nogueira, fala sobre o crescimento dos casos de manifestações de intolerância e crimes de ódio que, segundo ele, "não apenas atentam contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos e contra a Constituição Federal, mas também contra a essência do estado democrático de direito, em que as opiniões divergentes são dignas de igual respeito".
 
Leia o artigo completo:

Explosão de intolerância

A sociedade parece estar se esquecendo do quanto é importante, para a convivência social, aceitar, suportar, ser indulgente e clemente com os outros
 
Vivemos tempos de intolerância no Brasil e no mundo. E a intolerância, seja qual for, por princípio jurídico universal fere o artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e se caracteriza pela falta de informação e vontade em se conhecer e respeitar as diferenças em crenças, opções sexuais e opiniões. A sociedade parece estar se esquecendo do quanto é importante, para a convivência social, aceitar, suportar, ser indulgente e clemente com os outros, as definições da palavra tolerar.
 
Somos um país preconceituoso sim, infelizmente. No Brasil, crescem os registros de violência relacionados ao preconceito e à discriminação. Apenas para lembrarmos de alguns casos: o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, suspeita de execução política por sua defesa dos direitos humanos e suas denúncias contra a atuação das milícias; os ataques a terreiros de candomblé e umbanda, o aumento de crimes contra a comunidade LGBT, as reações violentas contra a inserção de deficientes na sociedade, as diversas formas de bullying nas escolas e nos ambientes de trabalho.
 
Nossa sociedade está cada vez mais intolerante com as causas diferentes do comum. Para se ter uma ideia, dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por exemplo, mostram que a cada três dias há uma denúncia de intolerância religiosa. E a própria secretaria reconhece que este dado, baseado no canal de denúncias de violações dos Direitos Humanos, o Disque 100, tende a ser bem mais numeroso.
Os índices de homofobia não ficam atrás. Relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2017, indica que 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram assassinados. Uma vítima a cada 19 horas. Um recorde histórico desde que o grupo existe, há 38 anos.
 
Homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as maiores vítimas de mortes violentas no país. A população negra corresponde à maioria (78,9%) dos 10% dos moradores com mais chances de serem vítimas de homicídios, de acordo com o Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.
 
As mulheres são as vítimas cotidianas da intolerância. Doze delas foram assassinadas diariamente em média no Brasil no ano passado, com base em dados oficiais dos estados. Foram 4.473 homicídios dolosos, dos quais 946 eram feminicídios, mulheres mortas em crimes de ódios motivados pela condição de gênero. Isso para não falarmos nos crimes de violência sexual, como estupros, assédios e exploração sexual. A cada dia as denúncias aumentam, como nos casos de agressores que agem no transporte público, mas a maioria ainda não é contabilizada.
 
A intolerância encontrou um terreno sólido nas redes sociais. Pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil, em 2016, revelou que, de três jovens e crianças com acesso à internet, pelo menos um já havia tido conhecimento de alguém que sofrera discriminação. O estudo mostra também que 41% dos pesquisados afirmaram já ter visto uma vítima de preconceito na internet. Desse número, 24% referem-se à cor ou raça, 16% à aparência e 13% à homossexualidade. E outro estudo, da Safernet, ONG que atua na promoção e defesa dos direitos humanos na internet no país, revela que 39 mil páginas foram denunciadas por violações de direitos humanos, em conteúdos racistas e de incitação à violência em 2016.
 
Os crimes de ódio, de intolerância, ficam cada vez mais expostos e ampliam as vítimas de racismo, homofobia, xenofobia, etnocentrismo, preconceito religioso e contra portadores de deficiência, para citarmos alguns. São crimes que ferem a dignidade humana e prejudicam a sociedade como um todo.
 
Não apenas atentam contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos e contra a Constituição Federal, mas também contra a essência do estado democrático de direito, em que as opiniões divergentes são dignas de igual respeito. Vivemos em um momento histórico, no qual a intolerância e o discurso do ódio conquistam cada vez mais adeptos.
 
Contra eles, temos como porto e farol a Constituição, sempre a nos amparar. E o bem comum, que tanto precisamos resgatar.
 
Fábio Nogueira é procurador-geral da OAB/RJ
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